segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Doçura, firmeza e tolerância religiosa

Quase quarenta anos depois, ainda sinto os cheiros. E os sabores ainda estão guardados na memória. Minha avó paterna, Quitéria Lopes, os trazia consigo. Tinha, então, quase noventa anos, mas a sua presença, além de doces e doçura, trazia uma lufada de paz. Quando ela chegava, sabíamos os (netos) filhos, não eram apenas guloseimas que ganhávamos. Era também um tempo de paz e tranquilidade na nossa casa. Por isso, suas visitas eram esperadas com ansiedade. 

Corcunda, voz mansa e uma energia irradiante. Além da boa mão para os doces. Muito particularmente "espécie", uma iguaria feita com rapadura e gergelim. Vó Quiterinha, como a chamávamos, convertera-se ao protestantismo no início do século XX. Ela e o meu avô constituíram um dos primeiros núcleos familiares de "crentes" na região do médio oeste do Rio Grande do Norte. E, por isso, pagaram tributos à intolerância religiosa. 


Quando, sentados ao seu redor, indagávamos sobre o passado, ela rememorava as humilhações e perseguições que sofrera. Dentre elas, a proibição de que os negociantes do povoado em que morava, então denominado Pedra de Abelha (atualmente, uma cidade chamada Felipe Guerra), vendessem bens de primeira necessidade aos protestantes. A ordem, dizia ela, viera do padre local. Outra história, que deixava amedrontadas as crianças sertanejas alheias do mundo mais amplo, dizia respeito a uma noite em que, após o culto dominical, os crentes do povoado foram atacados com excrementos bovinos, jogados por moleques, "a mando de alguém"... continue lendo terra magazine.
 Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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